" A beleza de ser um eterno aprendiz..."

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

KUARUP - texto de Décio Otero

KUARUP, OU A QUESTÃO DO ÍNDIO   

"Um dia, em 1977, propus-me  fazer um espetáculo sobre o genocídio dos índios. Minha preocupação era abordar um tema tão difícil sem cair na mesmice de experiências passadas, quando dançava em óperas e mesmo nos diversos balés que enfocavam esse tema.
       Não queria índios vestidos como certos cantores e bailarinos trajando malhas cor de ferrugem enrugadas pelo corpo, imitando a pele avermelhada dos indígenas.
       Tinha verdadeiro horror aos estereótipos dos cartões postais turísticos sobre nossos índios.
       Guardado em minha discoteca, havia um long- play antigo de músicas dos índios do Alto Xingu, coletadas pelos irmãos Villas-Boas, na década de 50.
       Eram lindíssimas!
       Fui para o estúdio numa noite que Márika ai sair para ensaiar com Ademar Guerra, no teatro, a peça Mahagony 
       Fiquei paradão no silêncio, escutando a música inúmeras vezes.
       Imagens começaram a surgir, fazendo meu racional perceber que, na obra, não deveria enfocar somente a sociedade indígena, mas todas as outras sociedades.
       De uma forma ou de outra, todos estamos sendo dizimados pelas guerras ideológicas, as guerras religiosas, a poluição dos grandes centros e as guerras bacteriológicas. Não seriam índios. seriam trabalhadores dos centros urbanos lutando pela sobrevivência.
       Seria impossível enfocar um assunto que nos toca tão de perto por meio das formas codificadas dos balés estrangeiros, com piruetas e glissades .
       Pesquisei o gestual dos índios, suas crenças e cerimônias religiosas e suas danças, com múltiplas conotações sociológicas, mitológicas, religiosas.
       Tarde da noite, quando voltaram, Ademar e Márika me contaram que estavam temerosos de como eu me sairia da empreitada. rapidamente expliquei-lhes meu projeto e ficaram surpresos e maravilhados.
       No gestual de Kuarup, não foi utilizado nenhum passo acadêmico de escolas clássicas ou modernas.
       Era algo novo, que nascia de dentro para fora, numa linguagem simples e universal, ao mesmo tempo tão fácil de ser executada que qualquer cidadão seria capaz de dançá-la.
       Durante todo o balé, os bailarinos usavam macacões de operários verde-amarelo e somente no final transformavam-se em índios, para celebrar a cerimônia da morte.
       Kuarup foi dançado mundo afora e é um dos balés mais premiados do Stagium, sucesso de crítica e de público."

STAGIUM - AS PAIXÕES DA DANÇA
Décio Otero
Editora Hucitec - SP,1999 -  pag 139-140


Kuarup foi a primeira coreografia que dancei (eu Ismenia rs) no Stagium, tive o privilégio de participar da montagem. Lembro que na estréia, no teatro Municipal de SP, ao final todos mortos, ficávamos deitados no palco com cortina aberta até a última pessoa da plateia retirar-se. Teatro Municipal lotado todos os dias!!!!
Numa das cidades da Hungria, agora não me rocordo qual, os aplausos eram lentos, ritmados e não acabavam nunca, com o público em pé !!!!! Kuarup - obra de arte !!!!
Fabinho, Áurea e eu dançamos durante muito tempo a cena das crianças, uma delícia, mas haja fôlego rs !! O ritual da troca de roupa... lembro das primeiras vezes que apresentamos dentro das escolas, a dúvida era como receberiam...era um momento forte e de muita concentração, mas todos, inclusive adolescentes que poderiam rir ou brincar, sempre assistiram com o maior respeito e atenção.



      

2 comentários:

  1. olá, tenho como conseguir assistir? em vídeo? :)

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  2. Ola Amélia, acredito que seja necessário entrar em contato com o Ballet Stagium. Não possuo esse video. abração!

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